quinta-feira, 9 de novembro de 1995

O Grande Teatro Dionísio

Não preciso de olhos para ver ou ouvidos para ouvir. Eu ouvi os aplausos, vi as cortinas se abrirem e fecharem inúmeras vezes, vi mentiras sendo ensaiadas como verdades, vi sorrir, vi o desespero que não fora ensaiado, vi chorar. Mesmo não estando aqui  no princípio de tudo, tudo sei. O teatro é a minha casa. Vou lhe contar exatamente como foi! Confia em mim?

A cidade se chama Francisco Beltrão e fica no sudoeste do Paraná. Cidade pequena e de povo humilde. Foi aqui que um casal pensando em dar melhores condições ao filho único, juntou tudo o que tinha e o entregou. O menino que se chamava Chico, deixa a cidade para estudar e junto com ela deixa também seu pai e sua mãe.

Muitos anos se passam até que ele retorne. Ele volta, não mais como menino e sim como um homem. Chico estudou e trabalhou muito e agora possuidor de muito dinheiro e bens já não pode retribuir o favor que seus pais o fizera. Apaixonado pelas artes e em memória de seus pais, constrói um grande teatro, com capacidade de grandioso publico e o nomeia "Teatro Dionísio".

Dionísio era o Deus do vinho e da fertilidade. Reza a lenda que na Grécia Antiga durante um ritual sagrado em homenagem a ele, um homem resolve subir em um tablado e afirmar que é o próprio. Todos ficam incrédulos com sua ousadia pois ninguém nunca havia se colocado em lugar de um Deus, figura sagrada. O homem se chamava Téspis e usava uma máscara humana ornada com cachos de uvas. Téspis foi o marco da ação dramática, sendo o primeiro ator e Dionísio passa a ser o Deus do Teatro.

Quando souberam da construção do teatro em Francisco Beltrão, Chico foi motivo de chacota em inúmeros jornais da capital. Criticavam a estrutura do imóvel em relação a cidade que era muito pobre e que abrigava gente que desconhecia o que seria um espetáculo. Mas logo que a obra foi terminada, Chico começou a trazer famosas peças com artistas consagrados no exterior e gente de todos os lugares passou a vir e lotar o grande Teatro Dionísio.

Ele gerou empregos na cidade e os filhos dos moradores passaram a participar das oficinas. O teatro trouxe um reconhecimento a Francisco Beltrão e sua economia começou a crescer. Foram anos excelentes!

Mas durante um desses espetáculos onde a casa estava lotada, é que acontece o que ninguém esperava que iria acontecer. Um incêndio, surgido não se sabe de onde, começa a lamber o lugar que Chico mais amava.

 As pessoas gritavam e havia medo. Havia também a tentativa de achar a saída. O caus agora não era encenação. Chico tratou de ajudar todos a saírem dali, mas ele mesmo não conseguiu abandonar aquele lugar. Deitou no centro do palco enquanto o fogo consumia o resto de seus pais, o resto dele, o resto de sua história: Início e Fim, sem o meio.

O moradores da cidade contiveram o fogo, mas pra Chico era tarde: O sonho acabou alí. As portas do teatro Dionísio se fecharam e essa foi a maior tragédia que Francisco Beltrão já assistiu.


1- Francisco Beltrão / 2- Chico e seus pais / 3-  Chico contemplando o teatro/ 4- O Deus Dionísio

                     5- O Teatro Dionísio lotado durante um espetáculo / 6-  Peça "Os Mascarados"                                                      7- Inicio do Incêndio / 8- Incêndio se alastrando pelo teatro.

Momoco



Eu surgi das sombras desse lugar em uma noite fria que se tornara quente devido ao fogo.
Sou a solidão de tudo! Anos só neste velho teatro, em um repouso absoluto junto as cortinas do palco que agora não são mais vermelhas. Não abrem e nem fecham, deveriam anunciar mais um espetáculo mas ele nunca saiu do papel.

Chico escrevera a peça "Seis Personagens à procura de um autor", mas o incêndio roubara a cena e só sobrou cinzas.

Em meio a essa triste história, a mais triste dessa cidade, me recordo da beleza de certa mulher misteriosa, que atuava com a alma e que tinha o olhar mais indiscreto que já vi.

Momoco. Ela veio ensinar teatro aqui em Dionísio e passou a amar tanto esse lugar, que até hoje não se separou dele.

Atualmente  já não é possuidora de toda aquela beleza e mistério incomuns. É possuidora de fios brancos, que a idade lhe deu como presente que não se recusa. Mas o olhar... Ah! Esse continua o mesmo.

Ela vem de vez em quando aqui relembrar o passado e gastar seu presente com a saudade. Anos maravilhosos de que se recorda perfeitamente toda vez que sobe no palco. Vínculo forte que nunca se desfez, pelo contrário, Momoco sonha em reerguer a sua casa: O Teatro Dionísio.

(Atenção! Antes de assistir ao vídeo pause ou diminua a música  instrumental do blog, que se encontra na parte superior da página) 

Manu


O barulho de que estava acostumado era o silêncio, exceto quando Momoco aparecia e atuava para o seu público invisível. De uns tempos pra cá, as coisas começaram a acontecer rapidamente aqui em Dionísio e já não consigo mais ouvir o silêncio...

Manu entrou no teatro na curiosidade de saber que lugar era esse. Usava roupas pretas e uma maquiagem forte, caracterizando uma rebeldia que podê ser comprovada quando passou a vir periodicamente com bebida, cigarro e drogas. Uma menina problemática, que no fim das contas via o teatro como seu templo de sossego.

Assim como esse lugar, sua história também é um tanto triste: Manu teve perda de mobilidade e teve que abandonar sua grande paixão - A Dança.

Sua rebeldia era fruto daquilo que é inconformável, afinal não deve ser fácil pra uma bailarina largar a velha sapatilha de ponta.


Samira


Eu gostaria de poder sair e ver como é la fora, mas enquanto eu fico obcecado por esse verbo mais gente vem entrando aqui.


A Samira foi mais uma dessas pessoas. E ela foi uma das melhores pessoas que eu já "conheci"!! Uma iraniana que apesar de não estar mais no seu pais continuava temerosa quanto as guerras e que convertida ao evangelho passou a missionar nos 4 cantos da terra. Próxima parada: Brasil - Francisco Beltrão. 

De vez em quando se recordava das coisas que seus olhos já viram, que fora muito,  e caia em desespero pelo sangue derramado em guerra.


Samira viu Manu entrando em uma velha construção e quis saber o que aquela jovem fazia  ali. A seguiu e entrou, ficando então diante do lugar que já fora a maior atração daquela cidade: O velho teatro.




Roberto


Eu conto a história dos outros que pisaram aqui, mas a minha história mesmo eu não sei contar.  Não tenho nada que me una a essas pessoas, a não ser esse lugar, o único onde existo.

Aqui em Francisco Beltrão a chuva sempre chega de surpresa e com força para se apagar um incêndio. Água em desmedida que lava a alma daqueles que contém as memórias.

Ela  trouxe Roberto aqui, que procurou abrigo já que a rua não parecia tão segura em meio a tempestade. Não que o teatro parecesse, mas algo a mais o fez entrar aqui...

Roberto era sensível demais. Espírita,  desde o primeiro momento em que pisou em Dionísio pôde sentir minha presença. Ele poderia me ajudar? Talvez! Exceto se a construtora onde trabalhava resolvesse mesmo demolir esse velho teatro para fazer um estacionamento.





Inaiê


A chuva sempre trazia um cheiro de terra pra dentro de Dionísio. Era Bom! Inaiê chegou aqui junto com esse cheiro, acompanhando a natureza.

Embora descendente de índios, era uma garota da cidade e assim como Manu trazia consigo sua própria confusão.

Ela não usava lápis de olho forte e nem se depravava com coisas ilícitas, mas sofrera na época da escola de anorexia conseguindo chegar aos 33 kg.

Sua timidez fazia juízo ao seu nome que em tupi significa "água solitária", mas o teatro a faria bem de tal forma que ela nunca poderia ter imaginado.


Nila


Antes de todas essas pessoas aparecerem aqui praticamente ao mesmo tempo, outros já tinham vindo: Um casal de namorados afim de buscar estímulos para a relação, mendigos querendo um lugar para passar a noite, o homem da construtora para medir o terreno e no geral alguns curiosos. Mas Nila veio por amor! Ela veio pela paixão ao teatro.

Se eu pudesse traduzi-la em uma palavra eu usaria "Alegria". Oriunda de família indiana, ela trazia a dança em suas raízes e era como o sol esquentando quem a observava.

 Durante anos ela estudou teatro e atuou em grandes musicais. Nila veio de Brasília para o Paraná conhecer o teatro do homem que fora sua maior inspiração: Chico.

Harley Davidson


O teatro berço da tragédia parecia ser aqui. A maioria dessas novas pessoas só chegavam para fazer desse lugar um ambiente para chorar suas dores. Harley Davidson não.

Ele saiu do Rio de Janeiro e veio em memória de sua mãe, que amava o Teatro Dionísio e Chico. Estudioso das artes, a paixão que tem pelo teatro deve a ela. Francisco Beltrão seria sua próxima parada.

                                          

Isabela


Sou o dono de todas as histórias deste lugar.  A partir do momento que alguém entra aqui, sua história também passa a ser minha.  Na maioria das vezes, quem entrou aqui foram pessoas com a alma amargurada ou alguma inconstância, me fazendo refletir que o melhor pra mim é realmente não saber quem sou. Portanto recuso minha identidade e sobrevivo com a dor desse lugar que já é forte e tanto.

Isabela saiu do culto e correu para o teatro para desprender sua atenção do ex noivo. Frequentavam a mesma igreja evangélica e aquele ambiente lhe parecia um tanto inóspito.  Mal sabia que aquele casarão mudaria a sua vida e lhe faria refletir sobre todas as suas vaidades, deixando de lado seus orgulhos bobos.


segunda-feira, 9 de outubro de 1995

{ O encontro




Se encontraram! Todos dentro de um só lugar, mas em lugares diferentes: Dispersas Dimensões onde as almas cravejadas de luto procuravam algum motivo.  Encontrariam?

Pessoas diferentes. Perspectivas diferentes. Nada igual! Tudo novo em meio ao lugar sujo e velho, onde já houve dias de felicidade.

O teatro, mesmo que longe da beleza que um dia possuiu, ainda era o Teatro. Havia o palco! Havia os assentos da platéia! Havia os aplausos! E agora... Havia os atores.

Concordaram! Uns ficaram pelo amor, outros por piedade, alguns foram e depois voltaram... Enfim, agora essa era a tentativa de dar certo.


{ Em agosto de 1994  na pretensão de evitar a demolição do Teatro Dionísio, eis que surge a Compania  Chico Nercoline,  administrada por Momoco Miura. 
 

A Nova Companhia "Chico Nercoline"

A CIA Chico Nercoline nasceu em um momento péssimo. De um lado seus integrantes estavam abalados por problemas pessoais diversos e de outro o teatro estava a beira da morte. Momoco precisava concentrar a CIA e ao mesmo tempo pensar em alguma solução para evitar que Dionísio fosse derrubado. E por incrível que pareça, o segundo ainda lhe parecia mais fácil.
Manu sendo grosseira com Nila, enquanto ela apresenta  o Kathak para a Cia -Tipo de dança indiana

Alguns Embates:
# A falta de comprometimento e arrogância de Manu,
# As crises de pânico da Samira,
# A timidez de Inaiê,
# A superioridade de Isabela

Projeto desenvolvido pelo setor de engenharia da construtora GreenBay, que visa derrubar o Teatro Dionísio e construir um estacionamento.

A crença das sementes e o Ritual do Vinho


O Paraná é o quarto colocado na produção nacional de Uvas.  Francisco Beltrão, sempre levou muito a sério o cultivo delas, que são grande fonte de renda e movimentação da economia local.

Aqui, as uvas são consideradas sagradas, quer dizer, não as uvas em si, mas suas sementes.
Nem todos aqui na cidade sabe, mas tem gente aqui que não come as sementes! Principalmente os mais antigos, acreditam que passar para a próxima geração o pote de vidro com elas representa longevidade. Eles passam para muitas gerações de suas famílias os potes antigos.

Em uma celebração, o Festival de Uvas da cidade, Chico viu a importância e a influência dessa fruta na vida dessas pessoas. Esse lugar surgiu então  com essa crença: Dionísio, Deus do vinho e do teatro!

A taça sendo balançada suavemente de forma circular, o aroma apreciado antes dos lábios receberem o toque do melhor vinho. Todos os dias os ensaios eram precedidos  por esse ritual. Uma, tão somente uma taça de vinho!  Brindavam, em seguida desejavam "merda"  e então vestiam suas  máscaras.

A saída

A Prefeitura de Beltrão recebeu Momoco bem! Todos na cidade a tinham com muito respeito. A visita dela até o prédio central tinha um motivo em especial: Pedir Ajuda!!
Depois de algumas semanas a resposta veio: Por ter sido de grande importância histórico, artístico e cultural, o teatro Dionísio seria tombado e se veria livre da empreiteira. Momoco ficou reluzente! 

O Abaixo Assinado realizado pelos moradores de Francisco Beltrão foi fundamental para que a prefeitura o tombasse e, portanto, impedisse sua demolição. Roberto, funcionário da empreiteira que seria responsável pelo serviço trabalhou internamente - motivado por sua admiração pelo teatro e por Momoco - na empresa para que adiassem ao máximo a demolição. Ele excluiu arquivos, trocou datas de reuniões, boicotou no que podia..

A cidade não era rica e o teatro estava em péssimas condições. A festa da Uva que se aproximava, esse ano teria sua renda concentrada para a reforma de Dionísio! Os moradores se empenharam em ajudar.. "Por Chico!" 

O Antes e o Depois

As pessoas, mesmo depois de anos, mesmo sendo em maior parte descendência dos que acompanharam Chico, fizeram questão de ajudar.

A festa teve um bom resultado e a própria companhia foi quem trabalhou na reforma.

O antes e o depois do teatro - em um adeus ao tablado rompido, às paredes sujas e queimadas da noite que a cidade nunca esqueceu - uma resposta clara de que a tragédia, primeiro estilo inventado não seria o último a vigorar aqui. 

                                        Pra Dionísio um Novo Tempo/Templo!
                                                             
                   

Dias Bons


Durante muito tempo eu  não vi alegria nesse lugar.  Durante muito tempo eu vivi tragando o amargo desgosto do triste fim. Um vazio constante, uma maldita solidão, um grito sem eco que me obriga a tentar mais uma vez desvendar minha existência.

Ver Dionísio sendo reerguido, ver as cores voltando para as paredes ou os holofotes sendo mais uma vez ligados, me fez aflorar um sentimento tão adormecido, que pensei que nem mais existisse em mim: Felicidade.

Felicidade sinônimo do que era toda a Cia Chico Nercoline. A cumplicidade, o  trabalho duro em equipe foi muito importante pra uni-los mesmo em tanta diferença. Pessoas com opiniões e estilos de vida distintos, mas que agora, em esforço pelo teatro, se comprometiam em ouvir o outro e até ceder.



A Marca da Cia


Momoco fez questão de resgatar os valores ensinados por Chico, os mantras que existiam em sua antiga companhia e todas as significâncias de Dionísio.  Ela testou a Cia Chico Nercoline:

"Para entrar nesse espaço, para fazer parte dessa família... Não pense que é simples. Para ser aceito e comungar das trocas, aprendizado e experiências, todos terão de passar pelo grande ritual!
A marca no braço esquerdo simboliza força e dedicação nos palcos. A concentração inicial depende do silêncio, da energia interna armazenada para a dor da agulha ultrapassando a pele.
A fase da dor também deve ser passageira, mas o que é marcado na pele deve ser eterno. Em um conjunto de memórias de apresentações passadas, o símbolo agora impresso com as iniciais de Chico Nercolini confirmam a devoção ao maestro das letras, dos roteiros da dramaturgia.
Somente assim é possível ensaiar nesse recinto. Somente assim é possível pertencer a esse lugar".


O Brasão

Harley Davidson se comprometeu em criar o símbolo da companhia e assim ele o fez:


A coroa homenageia Chico, iluminado em todo o seu caminho.

As uvas e suas folhagens, ao grande Deus Dionísio.

As máscaras são a representação do teatro e existem desde os primórdios.Simbolizam os dois principais gêneros dramáticos: A tragédia e a Comédia.

O vermelho é sinônimo de paixão - A paixão que todos os integrantes da cia têm por esse lugar.  

E o Dourado é a tentativa de resgate dos anos de Glória.

Desentendimentos


Nada é perfeito! Eu me enganei ao pensar quem em Dionísio as coisas seguiam perfeitamente bem... Um começo é sempre difícil, um recomeço então... O trabalho duro daqueles homens e mulheres agora já podia ser refletido no prazer de começar a ensaiar.

O teatro imita a vida ou a vida que imita o teatro?  As pessoas são mentirosas dentro de um mundo real ou dentro de um mundo mentiroso é que existe pessoas reais? Bom, sem jogos complexos! O que acontece é que preso a esse antagonismo começou uma disputa.

A peça escolhida por Momoco fora "Seis personagens à procura de um autor", obra que Chico escrevera, mas que em Dionísio nunca chegou a sair do papel. Obra que Luigi Pirandello tomou como sua anos mais tarde gerando para o proprio bastante reconhecimento, mas isso não vem ao caso agora...

 Não se contentando com o papel dado, os atores queriam interpretar os personagens que melhor lhe convinham: Isabela bateu o pé quando soube que faria uma mulher bêbada, ela queria a personagem de Manu. Inaiê ainda tremia ao se imaginar com tantas falas no centro do tablado, sendo devorada por centenas de pares de olhos famintos. Nila também recusou seu papel por sua personagem não ser envolta a dança. Manu discutia com Isabela! Harley tentava encorajar Inaiê! Roberto lançou que sairia da Companhia porque as pessoas estavam perdendo o foco!  Samira passou mal! Foi a maior confusão!

"A vida é um grande espetáculo!Não é o que dizem? Cada cabeça: uma sentença, um mundo, uma galáxia, um universo (depende da megalomania de cada um)! Então juntemos tudo: o livro da vida é um grande espetáculo de cada mundo particular. Daí temos um problema, os "mundos" interagem, se interferem. O que gera o caos! Do caos, dizem, sempre surge uma nova ordem. Então, todos os dias ressurgimos de dentro do nosso própio caos para viver o espetáculo diário, que, como uma boa tragédia tem comédia, drama, decepção, emoção, romance, suspense, discussões,  confusões, trapalhadas... O caos não passa nunca, a não ser que nos isolemos! Nem dá, né? "

Acertos


Não vou falar aqui no que eu acredito. Cada um com suas crenças e com suas orações. Sobre aquela noite, só quero dizer que hoje entendo o fogo consumir o teatro, da mesma forma que entendo que naquela tarde chuvosa um encontro tinha que acontecer.  E no fundo todos sabem disso! Até a Manu, que anda dizendo por aí que é tudo questão de sorte. Não, não é sorte, ela sabe!

Certa vez escutei que nem tudo que vai volta, que bom então que naquela tarde chuvosa os que foram embora voltaram no dia seguinte com o sol.  A história dessas pessoas vem sendo escrita  em uma página nova.

Os laços se afirmam em um nó apertado, que não se consegue afrouxar. Em circunstâncias adversas aquilo que os deprime não é tão forte assim para um dito fim, pois ainda se está longe do fim daquilo que tem que continuar.

A briga é um capitulo novo, que conta o quão distante estão da perfeição. O perdoar e aceitar o perdão é a significância do amor ao Teatro, do amor a Chico, do valor dado à marca no braço esquerdo - mesmo lado do coração.

A Companhia está de pé!


Revelando Segredos - Desfecho

Durante um tempo, devido  a dor que vi nascer aqui e devido a dor que vi gente trazendo para este lugar, reneguei meu eu. Reneguei descobrir quem sou, como é o formato de meu rosto, porque vivo nesse lugar e porque tudo sei. Tive medo de descobrir e assim como essas pessoas sofrer minha história. A história deles já eram dolorosas o bastante para eles e para mim.

Mas com o tempo vi a mágia voltando pra cá. Vi Chico novamente sorrindo a dramaturgia e o teatro reluzindo o rosto da população. Os velhos tempos foram resgatados como um sonho bom de um passado feliz. Os integrantes da companhia foram sarando seus cortes, até os mais profundos e se reinventando. Não existe mais dor.

Momoco se contentou muito com sua casa e agradeceu com as portas sempre abertas para a comunidade.
Manu deixou de lado a rebeldia e parou de fingir ser quem ela não é- agora já usa roupas coloridas.
Samira entendeu que infelizmente os homens são maus e  que desde os princípios há guerra. Ela continua pregando a libertação e o amor de Deus aos homens.
Roberto encontrou um companheiro. Os dois se dedicam à Dionísio, como único trabalho.
Inaiê melhorou muito quanto a timídez e aqui fez grandes e bons amigos.
Nila além de atriz, agora ensina dança aqui em Dionísio,  numa oficina só dela.
Harley Davidson, cuida junto com Momoco do teatro.
Isabela aprendeu a viver em comunhão, aprendeu a dividir e amar o próximo e não só a ela.

Na reestreia de Dionísio, a chuva veio junto, reafirmando que agora não há fogo que condene  pecados já cometidos. Descobri que Chico sempre olha pra este lugar!

Hoje eu continuo ouvindo os aplausos, vendo as cortinas se abrindo e fecharem inúmeras vezes, vendo as mentiras sendo ensaiadas como verdades e sabe por quê? Logo eu?

Porque eu sou todas as memórias. Eu sou Chico, sou Momoco, sou Manu, Samira, Roberto, Inaiê, Nila, Harley Davidson, Isabela... Sou o passado e o presente de todos que um dia já pisaram aqui. Sou a recordação viva que reside nas paredes da memória de cada um de tudo o que aconteceu. Por isso o sofrimento que também coube a mim. Por isso a face oculta - um rosto que não existe.  Por isso a esperança.

Faço parte da Cia Chico Nercoline e do teatro Dionísio.
Eu sou o que cada um faz questão de nunca esquecer!
Por Chico e Para Chico!
FIM!



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