segunda-feira, 9 de outubro de 1995

{ O encontro




Se encontraram! Todos dentro de um só lugar, mas em lugares diferentes: Dispersas Dimensões onde as almas cravejadas de luto procuravam algum motivo.  Encontrariam?

Pessoas diferentes. Perspectivas diferentes. Nada igual! Tudo novo em meio ao lugar sujo e velho, onde já houve dias de felicidade.

O teatro, mesmo que longe da beleza que um dia possuiu, ainda era o Teatro. Havia o palco! Havia os assentos da platéia! Havia os aplausos! E agora... Havia os atores.

Concordaram! Uns ficaram pelo amor, outros por piedade, alguns foram e depois voltaram... Enfim, agora essa era a tentativa de dar certo.


{ Em agosto de 1994  na pretensão de evitar a demolição do Teatro Dionísio, eis que surge a Compania  Chico Nercoline,  administrada por Momoco Miura. 
 

A Nova Companhia "Chico Nercoline"

A CIA Chico Nercoline nasceu em um momento péssimo. De um lado seus integrantes estavam abalados por problemas pessoais diversos e de outro o teatro estava a beira da morte. Momoco precisava concentrar a CIA e ao mesmo tempo pensar em alguma solução para evitar que Dionísio fosse derrubado. E por incrível que pareça, o segundo ainda lhe parecia mais fácil.
Manu sendo grosseira com Nila, enquanto ela apresenta  o Kathak para a Cia -Tipo de dança indiana

Alguns Embates:
# A falta de comprometimento e arrogância de Manu,
# As crises de pânico da Samira,
# A timidez de Inaiê,
# A superioridade de Isabela

Projeto desenvolvido pelo setor de engenharia da construtora GreenBay, que visa derrubar o Teatro Dionísio e construir um estacionamento.

A crença das sementes e o Ritual do Vinho


O Paraná é o quarto colocado na produção nacional de Uvas.  Francisco Beltrão, sempre levou muito a sério o cultivo delas, que são grande fonte de renda e movimentação da economia local.

Aqui, as uvas são consideradas sagradas, quer dizer, não as uvas em si, mas suas sementes.
Nem todos aqui na cidade sabe, mas tem gente aqui que não come as sementes! Principalmente os mais antigos, acreditam que passar para a próxima geração o pote de vidro com elas representa longevidade. Eles passam para muitas gerações de suas famílias os potes antigos.

Em uma celebração, o Festival de Uvas da cidade, Chico viu a importância e a influência dessa fruta na vida dessas pessoas. Esse lugar surgiu então  com essa crença: Dionísio, Deus do vinho e do teatro!

A taça sendo balançada suavemente de forma circular, o aroma apreciado antes dos lábios receberem o toque do melhor vinho. Todos os dias os ensaios eram precedidos  por esse ritual. Uma, tão somente uma taça de vinho!  Brindavam, em seguida desejavam "merda"  e então vestiam suas  máscaras.

A saída

A Prefeitura de Beltrão recebeu Momoco bem! Todos na cidade a tinham com muito respeito. A visita dela até o prédio central tinha um motivo em especial: Pedir Ajuda!!
Depois de algumas semanas a resposta veio: Por ter sido de grande importância histórico, artístico e cultural, o teatro Dionísio seria tombado e se veria livre da empreiteira. Momoco ficou reluzente! 

O Abaixo Assinado realizado pelos moradores de Francisco Beltrão foi fundamental para que a prefeitura o tombasse e, portanto, impedisse sua demolição. Roberto, funcionário da empreiteira que seria responsável pelo serviço trabalhou internamente - motivado por sua admiração pelo teatro e por Momoco - na empresa para que adiassem ao máximo a demolição. Ele excluiu arquivos, trocou datas de reuniões, boicotou no que podia..

A cidade não era rica e o teatro estava em péssimas condições. A festa da Uva que se aproximava, esse ano teria sua renda concentrada para a reforma de Dionísio! Os moradores se empenharam em ajudar.. "Por Chico!" 

O Antes e o Depois

As pessoas, mesmo depois de anos, mesmo sendo em maior parte descendência dos que acompanharam Chico, fizeram questão de ajudar.

A festa teve um bom resultado e a própria companhia foi quem trabalhou na reforma.

O antes e o depois do teatro - em um adeus ao tablado rompido, às paredes sujas e queimadas da noite que a cidade nunca esqueceu - uma resposta clara de que a tragédia, primeiro estilo inventado não seria o último a vigorar aqui. 

                                        Pra Dionísio um Novo Tempo/Templo!
                                                             
                   

Dias Bons


Durante muito tempo eu  não vi alegria nesse lugar.  Durante muito tempo eu vivi tragando o amargo desgosto do triste fim. Um vazio constante, uma maldita solidão, um grito sem eco que me obriga a tentar mais uma vez desvendar minha existência.

Ver Dionísio sendo reerguido, ver as cores voltando para as paredes ou os holofotes sendo mais uma vez ligados, me fez aflorar um sentimento tão adormecido, que pensei que nem mais existisse em mim: Felicidade.

Felicidade sinônimo do que era toda a Cia Chico Nercoline. A cumplicidade, o  trabalho duro em equipe foi muito importante pra uni-los mesmo em tanta diferença. Pessoas com opiniões e estilos de vida distintos, mas que agora, em esforço pelo teatro, se comprometiam em ouvir o outro e até ceder.



A Marca da Cia


Momoco fez questão de resgatar os valores ensinados por Chico, os mantras que existiam em sua antiga companhia e todas as significâncias de Dionísio.  Ela testou a Cia Chico Nercoline:

"Para entrar nesse espaço, para fazer parte dessa família... Não pense que é simples. Para ser aceito e comungar das trocas, aprendizado e experiências, todos terão de passar pelo grande ritual!
A marca no braço esquerdo simboliza força e dedicação nos palcos. A concentração inicial depende do silêncio, da energia interna armazenada para a dor da agulha ultrapassando a pele.
A fase da dor também deve ser passageira, mas o que é marcado na pele deve ser eterno. Em um conjunto de memórias de apresentações passadas, o símbolo agora impresso com as iniciais de Chico Nercolini confirmam a devoção ao maestro das letras, dos roteiros da dramaturgia.
Somente assim é possível ensaiar nesse recinto. Somente assim é possível pertencer a esse lugar".


O Brasão

Harley Davidson se comprometeu em criar o símbolo da companhia e assim ele o fez:


A coroa homenageia Chico, iluminado em todo o seu caminho.

As uvas e suas folhagens, ao grande Deus Dionísio.

As máscaras são a representação do teatro e existem desde os primórdios.Simbolizam os dois principais gêneros dramáticos: A tragédia e a Comédia.

O vermelho é sinônimo de paixão - A paixão que todos os integrantes da cia têm por esse lugar.  

E o Dourado é a tentativa de resgate dos anos de Glória.

Desentendimentos


Nada é perfeito! Eu me enganei ao pensar quem em Dionísio as coisas seguiam perfeitamente bem... Um começo é sempre difícil, um recomeço então... O trabalho duro daqueles homens e mulheres agora já podia ser refletido no prazer de começar a ensaiar.

O teatro imita a vida ou a vida que imita o teatro?  As pessoas são mentirosas dentro de um mundo real ou dentro de um mundo mentiroso é que existe pessoas reais? Bom, sem jogos complexos! O que acontece é que preso a esse antagonismo começou uma disputa.

A peça escolhida por Momoco fora "Seis personagens à procura de um autor", obra que Chico escrevera, mas que em Dionísio nunca chegou a sair do papel. Obra que Luigi Pirandello tomou como sua anos mais tarde gerando para o proprio bastante reconhecimento, mas isso não vem ao caso agora...

 Não se contentando com o papel dado, os atores queriam interpretar os personagens que melhor lhe convinham: Isabela bateu o pé quando soube que faria uma mulher bêbada, ela queria a personagem de Manu. Inaiê ainda tremia ao se imaginar com tantas falas no centro do tablado, sendo devorada por centenas de pares de olhos famintos. Nila também recusou seu papel por sua personagem não ser envolta a dança. Manu discutia com Isabela! Harley tentava encorajar Inaiê! Roberto lançou que sairia da Companhia porque as pessoas estavam perdendo o foco!  Samira passou mal! Foi a maior confusão!

"A vida é um grande espetáculo!Não é o que dizem? Cada cabeça: uma sentença, um mundo, uma galáxia, um universo (depende da megalomania de cada um)! Então juntemos tudo: o livro da vida é um grande espetáculo de cada mundo particular. Daí temos um problema, os "mundos" interagem, se interferem. O que gera o caos! Do caos, dizem, sempre surge uma nova ordem. Então, todos os dias ressurgimos de dentro do nosso própio caos para viver o espetáculo diário, que, como uma boa tragédia tem comédia, drama, decepção, emoção, romance, suspense, discussões,  confusões, trapalhadas... O caos não passa nunca, a não ser que nos isolemos! Nem dá, né? "

Acertos


Não vou falar aqui no que eu acredito. Cada um com suas crenças e com suas orações. Sobre aquela noite, só quero dizer que hoje entendo o fogo consumir o teatro, da mesma forma que entendo que naquela tarde chuvosa um encontro tinha que acontecer.  E no fundo todos sabem disso! Até a Manu, que anda dizendo por aí que é tudo questão de sorte. Não, não é sorte, ela sabe!

Certa vez escutei que nem tudo que vai volta, que bom então que naquela tarde chuvosa os que foram embora voltaram no dia seguinte com o sol.  A história dessas pessoas vem sendo escrita  em uma página nova.

Os laços se afirmam em um nó apertado, que não se consegue afrouxar. Em circunstâncias adversas aquilo que os deprime não é tão forte assim para um dito fim, pois ainda se está longe do fim daquilo que tem que continuar.

A briga é um capitulo novo, que conta o quão distante estão da perfeição. O perdoar e aceitar o perdão é a significância do amor ao Teatro, do amor a Chico, do valor dado à marca no braço esquerdo - mesmo lado do coração.

A Companhia está de pé!


Revelando Segredos - Desfecho

Durante um tempo, devido  a dor que vi nascer aqui e devido a dor que vi gente trazendo para este lugar, reneguei meu eu. Reneguei descobrir quem sou, como é o formato de meu rosto, porque vivo nesse lugar e porque tudo sei. Tive medo de descobrir e assim como essas pessoas sofrer minha história. A história deles já eram dolorosas o bastante para eles e para mim.

Mas com o tempo vi a mágia voltando pra cá. Vi Chico novamente sorrindo a dramaturgia e o teatro reluzindo o rosto da população. Os velhos tempos foram resgatados como um sonho bom de um passado feliz. Os integrantes da companhia foram sarando seus cortes, até os mais profundos e se reinventando. Não existe mais dor.

Momoco se contentou muito com sua casa e agradeceu com as portas sempre abertas para a comunidade.
Manu deixou de lado a rebeldia e parou de fingir ser quem ela não é- agora já usa roupas coloridas.
Samira entendeu que infelizmente os homens são maus e  que desde os princípios há guerra. Ela continua pregando a libertação e o amor de Deus aos homens.
Roberto encontrou um companheiro. Os dois se dedicam à Dionísio, como único trabalho.
Inaiê melhorou muito quanto a timídez e aqui fez grandes e bons amigos.
Nila além de atriz, agora ensina dança aqui em Dionísio,  numa oficina só dela.
Harley Davidson, cuida junto com Momoco do teatro.
Isabela aprendeu a viver em comunhão, aprendeu a dividir e amar o próximo e não só a ela.

Na reestreia de Dionísio, a chuva veio junto, reafirmando que agora não há fogo que condene  pecados já cometidos. Descobri que Chico sempre olha pra este lugar!

Hoje eu continuo ouvindo os aplausos, vendo as cortinas se abrindo e fecharem inúmeras vezes, vendo as mentiras sendo ensaiadas como verdades e sabe por quê? Logo eu?

Porque eu sou todas as memórias. Eu sou Chico, sou Momoco, sou Manu, Samira, Roberto, Inaiê, Nila, Harley Davidson, Isabela... Sou o passado e o presente de todos que um dia já pisaram aqui. Sou a recordação viva que reside nas paredes da memória de cada um de tudo o que aconteceu. Por isso o sofrimento que também coube a mim. Por isso a face oculta - um rosto que não existe.  Por isso a esperança.

Faço parte da Cia Chico Nercoline e do teatro Dionísio.
Eu sou o que cada um faz questão de nunca esquecer!
Por Chico e Para Chico!
FIM!



Outras informações sobre este trabalho AQUI